a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

26/09/2016

Muitos porcos, nós?

Faço a viagem de comboio com o meu telefone a apitar avisos de wi-fi’s disponíveis e os meus olhos nas árvores que passam velozes fora da janela. Os apitos não me causam cuidados, que a carruagem onde sigo não é a do silêncio. Não sei se em todos todos, mas pelo menos nos comboios mais, digamos, a sério, há uma carruagem que é a do silêncio. Nessa, quem está não pode fazer barulho nem deve deixar que telefones produzam apitos. É a carruagem para quem quer trabalhar, ler ou pensar, assuntos do foro do silêncio, daí o nome. Isto na Holanda. As árvores que correm lá fora parecem estar à distância de um braço bem esticado e lembro-me – lembrar-me-ei por quanto tempo? – da menininha que um dia viajou à minha frente num comboio destes, há anos, numa carruagem que não a do silêncio, e de pé no assento, virada para a janela, gritava alto e bom som para as árvores bomen! bomen! (árvores! árvores!) Adora árvores, disse a mãe, ao ver-me sorrir para a garota. Entretanto, em processamento paralelo, vou escrevendo este post mentalmente enquanto não chego à minha estação e escrevo assim:

Mathilda ia de boleia connosco. No local combinado, a meio caminho do nosso destino, entrou no carro. Fomos apresentadas. Disse-lhe que mora num lugar bonito.
- Moras num lugar bonito.
- Eu não moro aqui, é mais para aquele lado, a vinte minutos daqui, numa quinta.
- Numa quinta?! – eu gosto de quintas (também gosto de sextas e de sábados e gosto de fazer gracinhas).
- Sim, o meu marido é agricultor.
Ou seja, temos tema para preencher o trajeto. Puxei pela cabeça para ir buscar vacas, a palavra vacas em holandês. Apliquei a regra do plural de ovo para obter ovos e julguei obter vacas. Depois continuei no meu holandês todo pobrezinho:
- E têm lá vacaras na quinta? – digamos que vacas me saiu tipo vacaras com a tal regra que não é deste filme, mas ela percebeu. Sorriu e facilitou-me a vida:
- No, not cows, pigs. We have pigs.
- Porcos?! Mas quantos? – preferia vacas, mas se ela me disser que tem vinte ou trinta porcos já me vai impressionar.
- Trezentos e cinquenta, mais ou menos.
Impressionou-me. Até me virei toda para trás (ela no banco de trás, eu no da frente), trezentos e cinquenta?! Imensos!
- E são muitos, mesmo, agora o mercado está difícil para os escoar, desde que a Rússia embargou certas relações comerciais com a Europa, os países da Europa de Leste, que forneciam porcos para a Rússia, voltaram-se para o nosso principal mercado, a Alemanha. E temos de baixar muito os preços, para sobreviver. Se der para sobreviver.
- Então e na Holanda, não vendem os porcos? – isto eu.
- Vendemos, mas o mercado holandês é muito pequeno, as pessoas comem poucos porcos. Na Alemanha é que se come muito porco.
Ora isto interessa-me. Nem que seja porque posso atestar que os holandeses não só comem poucos porcos, como comem pouco em geral. Uma refeição quente por dia chega e nada de sopas (ou há sopa ou há o resto) nem sobremesas, a menos que o rei faça anos ou isso.

Mas as árvores lá fora abrandaram, o comboio chegou ao meu destino e eu apeei-me antes de ter acrescentado ao post que pensei sugerir a Mathilda o mercado português. Comemos ou não comemos muitos porcos, nós?

19/09/2016

Está na hora de posts fofinhos, de preferência duplamente fofinhos

Hoje fui ao ginásio fazer ginástica e noto, continuo a notar, que aquilo de manter as pernas esticadas no ar e na horizontal durante oito tempos e depois só mais oito e assim sempre em múltiplos de oito, aquilo não me dá jeito nenhum, mesmo estando deitada a olhar para o teto a contar os oitos como se fossem poucos com as mãos debaixo de mim própria e a morder os lábios para ajudar (nada). Depois a caminhar para casa sinto as pernas a tremer como se estivessem feitas num oito, mas estão é feitas em muitos, ai que piada, só que depois foi mesmo giro (atenção que este é um post fofinho) ao entrar na área em que se passeia muito os cães, área que também é um atalho para quem vem do ginásio, olho para o chão iluminado pelo candeeiro de rua preparando-me para contornar eventuais presentes caninos, nenhum, muito bem, e então esqueço-me das pernas por causa disto, que é agora que aparece o fofinho do post: vem, do outro lado, como se para o ginásio se dirigisse, um canito pequeno, todo despenteado, quem sabe acabado de sair de uma esfrega no banho, canito que me fez lembrar a Cutxi, (toda a gente sabe quem é a Cutxi, não carece de link), o cãozito a correr desalmado, todo cheio de pressa, entrando na mesma área que eu mas em sentido contrário e eu olá canito, e ele nada, despenteado o canito está mesmo giro, cruzámo-nos, ele continua a correr a correr e eu quase retomo o sentir daqueles oitos mas nisto vem outro da mesma proveniência, também como se para o ginásio fosse, muita pressa, e também a lembrar o mesmo cãozinho acima referido que toda a gente conhece de o ver metido dentro do frigorífico a fazer companhia aos iogurtes, desta nunca me esquecerei, coitadinho, coitadinha, aliás, que a Cutxi é uma canita, mas este segundo também vem esbaforido, aquilo houve ali coisa, este apresenta uma tonalidade mais escura no lombo, no lombito, vá, que isto se faz favor é mínimo o canito, este vem menos despenteado que o primeiro e eu, olá outro canito, e ele também nada, ok, e de seguida entra a dona na área, todos no mesmo terreno de passear cães e atalho para o ginásio, é um terreno dois em um, a dona a chamar os dois, canito! canito! não sei quê não sei quê (mas não era Cutxi), nenhum era Cutxi. E eu disse à dona assim: isto é uma coleção! E era mesmo, que ela riu-se com as trelas na mão.

Este parágrafo podia dar um poema, mas dar não deu, ficou só um parágrafo fofinho. Duplamente fofinho.

17/09/2016

Do router nada nem com menu de escolha

Marcámos encontro para hoje, para hora incerta desde que durante a tarde, o novo router e eu. Sabendo já de muitos anos a virar frangos destes, que routers novos e afins vindos de provedores de serviços em massa nem sempre comparecem aos encontros, especialmente se o encontro me obrigar a percorrer duzentos quilómetros para cima e depois os mesmos duzentos para baixo, pelo sim pelo não, antes de a tarde do encontro marcado se extinguir, e porque do router nada, telefonei para um número daqueles. Daqueles que nos devolvem um menu de escolha, se é serviço de televisão prima um, se é de telefone prima dois e por aí fora fui premindo até me quedar de música ao ouvido, o David Bowie e tempo de espera aproximado dois minutos, mas foram dez, e ele a cantar a mesma coisa tantas vezes, logo o David Bowie que eu, caramba, o David Bowie não. 

- Registamos a sua insistência, minha senhora, talvez tenha havido algum atraso.

Agora não sei se o meu problema é ser demasiado agradável com as pessoas dos call centres, talvez me não levem a sério, sabe-se lá; que já vi lugares em que quem mais grita e mais maltrata, mais respeitado é, isso já vi. Mas como sei por observação de quem teve de agarrar um call centre porque nada mais houve para agarrar, quem teve humilhações e lágrimas e soluços e desespero e sofrimento ali à minha frente, nos meus braços, eu sei, que quem trabalha num call centre tem uma alta probabilidade de ser profundamente infeliz, sou eu agradável por opção.

Ou seja, o novo router não sabe o que perdeu.

Mas eu mostro:


 É que lá fora do lugar de instalação do serviço que continua sem router, tivemos isto.

14/09/2016

O post que acaba como começa

Pus um produto específico no meu cabelo com uma finalidade e obtive duas. A outra foi ter ficado com o cabelo quase liso. A minha filha - mãe o que fizeste ao cabelo? está liso! Isto é uma coisa.
Outra coisa é eu ter sido feliz durante três minutos, há dois dias, quando dentro do carro ouvi uma canção que ai caramba!, até subi o volume e foi muito, ia pela segunda circular com o sol nos olhos e as garotas, mãe… isso é do Enrique Iglesias, tu gostas do Enrique Iglesias? – elas todas admiradas – até posso dizer que fomos felizes as três ali aqueles minutos, eta mujeres! si te quedas o te vas, as saudades de bailar hasta las diez, cariño! Portanto gosto da canção do Enrique Iglesias e não é pouco.
E finalmente atravessei a rua como deve ser e fui visitar o papagaio do quiosque das flores. Chama-se Pigas e tem sete anos de idade. É praticamente verde com uns fiapos amarelos no toutiço e uma pena azul a espreitar do fim da asa. Já sabemos a história que conta todos os dias e que não se percebe nada daquela história. Estava caladinho (juro), concentrado a comer sementes do calibre das do girassol e, apesar de deitar para o chão as cascas todas, não tive coragem de lhe arrancar uma pena e trazê-la para o blogue, coitadinho. Não me disse nadinha o papagaio enquanto lá estive a observá-lo com amor (acho que isto é amor) e a tentar junto da florista saber coisas e assim (quero convidá-lo).

E agora estava debatendo-me toda para aqui com uma vontade de me estender na cama com o meu cabelo quase liso e o meu novo livro, mesmo sem muita pena do papagaio, sem bailar hasta las diez, mas ainda faltam umas horas de trabalho para hoje, de modo que me pus a escrever. Mas não pode é ser mais.

(pensei pôr aqui o link para a canção referida, mas não pus)

13/09/2016

Temos internet mas não temos pionés

No orificiozinho do router espetei: a parte de trás do meu brinco, um pionés amarelo que termina em pico, o pé de um fósforo (mas não entrou) e o bico de um lápis de cor cor de rosa, em que cor aparece duas vezes, mas as palavras volta e meia andam a brincar. Eu não ando a brincar. Ando com o hotspot no telemóvel, coitadinho, que fica exaurido num instante e precisa de se ligar à tomada amiúde para servir de wifi ao computador e o meu trabalho continuar a fluir. Trata-se de coisa séria entre eles dispositivos, isto quando o design da montanha deixa a cobertura cá chegar ao hotspot, que é às vezes e já voltamos ao router. Nada funcionou, nem os cinco telefonemas com o provedor de serviços nem os espetanços acima expostos no orificiozinho com a boa intenção do reset de fábrica instruído ao telefone, o observar das luzinhas, se apagaram, se acenderam e de que cor são? Mau: o router está que não faz de router anymore.

E já que é impossível escrever este post cem por cento português - temos post, temos router, temos hotspot, temos wifi, temos reset, temos design e temos pionés - pus-lhe ali também o anymore e acabou-se.


(post desatualizado, escrito no fim de semana e na ausência de acesso franco à internet – temos internet – e também na dúvida relativamente ao pionés – mas não temos pionés)

10/09/2016

Com muito mais encanto (na hora da despedida)

Caso um dia me aconteça ter um estabelecimento de restauração com menu, por exemplo, salada com grãos mas não sabemos quantos e ovo cozido, tomate vermelho do verão perdido na salada grega onde se encontra com o feta, sopa de beterraba desfeita em lágrimas de azeite pouco ácido e uma doçura de batata, empadinho de legumes salteados que de empadão ninguém gosta, redução de mil folhas aprovadas e assinadas pelo cozinheiro a uma deliciosa resma, pasta de abacate ao garfo com gotas de limão frio e por aí fora antes que nos dê o sono, portanto caso um dia me calhe gerir um estabelecimento tipo restaurante, dizia, vou tratar de fazer duas coisinhas. Uma das coisinhas é elaborar um menu apetitoso e completamente irresistível - já se leu a entrada - a outra coisinha é pior. Pior na medida em que um, a ideia me nasceu há pouco num restaurante de Coimbra e portanto não está amadurecida e dois, é de uma irritação reduzida a medo que me ela nasce. Mas inovadora, é uma ideiazinha inovadora. Suponhamos então que ainda vamos estar no tempo dos menus e que as pessoas largam os aparelhos inteligentes em cima da mesa para segurar nos menus enquanto degustam a leitura constante, ai que giro ai que giro, e discutem, e pensam, e optam.
Pois é aqui que está a nossa ideia: as pessoas a pegar nos menus sem medo. Sem medo de lhes fazer mais um vinco do tipo roupa velha, de lhes escangalhar os cantos já de si meio desfeitos, ou de lhes arrancar uma folha caduca, mas isso pronto, tudo bem, agora esta parte: sobretudo as pessoas a pegar nos menus sem medo de capturar colónias de bactérias imersas nas camadas de gordura e sujidade de várias cores que se pode colher em cada menuzinho dos restaurantes onde ninguém se lembrou de aplicar a inovação de lavaaaaaaar aquela porcaria (os menus). Ou então projetá-los no ar em holograma que se havia de poupar o ambiente livrando-o de bicharada atómica e até ficava tão giro isso, mas eu nem digo tanto. Digo lavar.

(e digo que me livrei de noventa por cento da dor nas costas num prazo de dez dias contra as cinco semanas prescritas pelos médicos como mínimo, mas temo estar hospedeira de uma boa coleção de bactérias obtidas num menu de Coimbra, menu este, de facto, com muito mais encanto na hora da despedida: um nojo)