a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

24/11/2015

Post relativamente parvo, porém necessário

Não consegui decidir qual a árvore mais bela de toda a avenida dom joão segundo à hora do almoço, vou até dizer que se tratou aquilo de um orgasmo visual, tipo mesmo em grande. No fim da alameda, eu já ia relativamente cansada de me forçar a desviar o olhar das laterais arborizadas para não embater nos carros da frente quando, como se não bastasse tanto, apresenta-se-me um grupo de seis à direita, as copas grandes de um verde escuro à excepção de uma mão cheiinha de folhas novas de um verde claro, alinhadas duas a duas, as árvores frondosas, e com um tal entrelaçado de troncos que faz lembrar notas de uma música antiga, perfeitamente habilitadas – digo eu – a fazer o olho de qualquer máquina fotográfica chorar de alegria, incorporada em telemóvel ou independentemente disso. Digo chorar de alegria para não repetir a metáfora do orgasmo visual, o que, se formos bem a ver as coisas, não traz grande diferença.

A dona Esmeralda perguntou-me hoje à tarde, a meio do corredor, ao ver-me de mão na barriga, a minha mão foi estacionar-me na barriga sem eu a mandar propriamente, perguntou-me ela então, não sem um certo entusiasmo no olhar, por cima dos seus óculos dourados, se eu não estou por acaso de bebé: não está por acaso de bebé?... Está de se ver que não sabe ela a minha idade, mas eu, ai foi tão bom ouvir aquilo, tão bom, que fingi não perceber, diga diga, dona Esmeralda, estou quê? só para ela repetir a pergunta, assim em voz baixa e com a cabeça mais próxima de mim do que estaria se me perguntasse que horas são. 

Não, dona Esmeralda, não estou de bebé.

Mas que me deu vontade de estar, ah deu. Era da maneira que não pensava no novo governo, nem no avião militar russo abatido, não pensava no presidente nem nos ministros nem nos atentados que não me canso de incompreender, nem sequer nos refugiados, não pensava em coisa nenhuma que me afligisse porque quando estamos de bebé, temos incorporados filtros muito bons. De forma que recomendo, para quem ainda puder.

É que acima de tudo, já agora, este nosso mundo precisa de mais gente boa. E nós, a gente boa, de podermos continuar a apreciar as belezas do nosso caminho. Em paz e de bebé na barriga. Ou não.

9 comentários:

  1. O ideal era mesmo ter a máquina fotográfica incorporada no olho e depois, para quem pudesse, usá-la com os tais filtros especiais e bons. :)

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    1. Querida luísa, e de máquinas fotográficas sabes tu, pois sabes. E pões-lhes os filtros que bem te apetecer, isso vejo eu muito bem que sim. :-)

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  2. Querida Susana Rodrigues,
    Gosto de ler estes posts de gente boa, que fotografa com palavras. Parecem-me bons, nada parvos, relativamente preocupados e intensamente femininos.
    Boa noite,
    Outro Ente.

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    1. Muito obrigada, querido Outro Ente. De facto, acredito mesmo que sim, que precisamos de mais gente boa. A vida merece.
      Uma boa noite para si também.

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  3. Querida Susana, eu estou de avó, de bebé noutra barriga!
    Maravilhada. Beijos.

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    1. Ah.... Parabéns! (avó, Teresa?? Tão nova??)
      Que bom! :-))
      Uma avó assim maravilhada pode fazer um bebé muito feliz. Mas tu sabes isso, claro.
      Beijos de volta, muitos.

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    2. Ohhhhhhh! Também querooooo!

      Beijo, Teresa.
      Beijo, Susana.

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  4. E a frescura que desce das árvores e se junta a nós dá-nos também esperança.

    Um beijinho, querida Susaninha

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    1. Enquanto pudermos ir buscar esperança em algum lugar.... é bom. E penso que disso seremos sempre capazes.
      Outro beijinho, querida Miss Smile.

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