a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

08/11/2015

Natal de 2038

A passos tantos da descida da avenida da liberdade, mudou o dia, é domingo. A peça que vai no Tivoli terminou há dez minutos ou quinze e eu interrompi os comentários que acerca dela tecíamos, estaquei junto à montra de uma loja, parei as minhas filhas e disse.

- Esta loja é um dos exemplos de que falávamos - tinham-me perguntado horas antes qual a rua em Lisboa com lojas mais caras.

Na montra, o manequim exibe um casaco de fazenda (também pode ser caxemira, admito) em tons outonais, castanho-pastel, padrão escocês não muito intenso, a respirar bem, botões alongados, aberto. Por baixo do casaco, vê-se perfeitamente uma camisa de algodão branco com motivos verde-bandeira (a camisa só pode ser de algodão), não muito bem passada a ferro, não estivesse a loja fechada e eu até ponderava oferecer-me para dar ali um jeitinho. Para além da camisa, o casaco deixa ver uma tira em forma de trapézio da minissaia amarelo-limão, de plástico brilhante (já a saia, se não for de plástico há de ser de borracha), em padrão que imita a pele de um crocodilo de grandes dimensões, talvez mesmo capaz de preencher a avenida na transversal e tocar, em simultâneo, à campainha de um número par com a cauda e à de um número ímpar com o nariz (e depois fugia a correr a esconder-se nas águas do rio). Junto a este manequim assim trajado, está um par de sapatos preto e uma pequena mala de mão.

Então agora vejam lá o preço da saia de plástico, seiscentos e cinquenta euros, mãe, e a camisa de algodão, quinhentos e quarenta, e o casaco, atenção, é comprido, o casaco dois mil e oitenta, faltam os sapatos, setecentos e cinquenta euros. Já passa da meia-noite e dos quatro mil euros nesta montra e ainda não vimos a mala. Bom, a mala é esta, precisamente.

Se não pensar muito na pele de cobra aplicada nas laterais desta peça, nem desgosto. Coubesse lá dentro o meu porta-moedas e eu era ver se não começava já a juntar dinheiro para oferecer a malinha à minha pessoa no natal de 2038.

10 comentários:

  1. Tivemos um exemplo, embora com preços não tão elevados, de como se pode ser atraído por moda de marca para lá do razoável, com as peças Balmain da H&M. Pessoalmente, acho escandaloso dar o equivalente ao que muitos não ganham num mês por uns sapatos ou um casaco. É o mundo que temos, onde há os que compram sem olhar a preço, os que vão para lá das suas possibilidades pela aparência e aqueles que nada podem comprar.
    Ensinar o bom senso é fundamental.

    Beijos, Susana, e bom Domingo. :)

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  2. São outros universos, de facto. Eu gostaria de conhecer as motivações que levam alguém a comprar peças que - não só custam mais do que o salário de muito boa gente - como também não valem, não podem valer, nem um décimo do seu preço. A mesma nota de cinquenta euros pode assumir valores muito díspares, dependendo do bolso em que está.
    Sem dúvida interessante esta psicologia.
    Um bom domingo, Maria. Beijos de volta. :-)

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  3. Então, Susana, e o tal casaco verde que disseste ter muita vontade de mandar confeccionar e até ficaste de enviar o desenho? A oferta para a campanha de angariação de fundos está de pé. Andas a desviar a vista. ;)
    Pois, parece-nos haver peças de roupa, ou de outro tipo, com valores excessivos. Disse "parece-nos" porque na verdade há mercado para estes produtos. Sobretudo em épocas de crise económica, o que se vende mais situa-se nos preços mais baixos e nos mais altos. A grande oportunidade para os ricos, digamos. Então, não são os carros de alta gama que mais depressa se vendem?
    Não dou muito dinheiro por peças de vestuário, calçado e acessórios, apesar de ter algumas de muito boa qualidade, idealizadas por estilistas reconhecidos e de edição limitada. Consigo em saldos, campanhas de vários tipos. Talvez esses sapatos, numa dessas oportunidades, custem quarenta ou cinquenta euros, como aconteceu com dois ou três pares que comprei e com alguns vestidinhos.
    Beijos

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    1. Isabel, aqueles sapatos não acredito que baixem a esses preços, se visitares o link que eu lá pus e vires os que lá estão, acho que concluirás o mesmo que eu. E já agora, recomendo os filmes de passagem de modelos (deve haver um nome técnico para isto). São giros. :-)
      O meu casaco cor de ervilha... por enquanto ainda está só na minha imaginação. Ahhh... se eu pudesse havia de fazer casacos lindos, lindos. Adoro casacos.
      Beijos daqui também.

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  4. Os preços até são muito em conta, tendo em conta que o Natal é o de 2038. Quer dizer, este ano já vi preços no Corte Inglês que se aproximam bastante desses...;)

    Beijocas

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    1. Mas eu com o Corte Inglês tenho um problema mais sério... é que as coisas de lá costumam ser coisas de bom gosto... muitas, pelo menos. Por isso vou lá pouco, para manter a minha carteira a salvo.
      Gosto muito de te ver de volta, Teté.
      (e com o sentido de humor intacto! :-))

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  5. Querida Susaninha, confesso que a dita malinha não me seduz muito, já para não falar do rico preço que é totalmente proibitivo. Também não compreendo como há pessoas que pagam tanto por esses "invólucros", mas cada carteira dita a sua sentença :)

    Um beijinho e um dia feliz :)

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    1. Querida Miss Smile, mas a quem é que a dita malinha seduz? A mim também não, nem que custasse trinta euros. (eu nem sempre digo a verdade nos meus posts... :-))
      Um beijinho, Miss Smile, e obrigada, por acaso o meu dia hoje foi feliz.
      Uma noite feliz para si.

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  6. Continuo sem saber o valor da mala dentro da classe abastada. Como o... Ricardo Salgado!

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