a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

04/12/2014

Gargalhadas suadas

Fala-se imenso do amor. E fala-se das coisas do facebook, de música má e de sushi, pagam-se contas pela internet e vêem-se montras nos centros comerciais aos domingos. E moda, fala-se da moda, desdenham-se os políticos, usa-se muito o desdém, vendo bem combina com os metais alaranjados que são a tendência deste ano em relojoaria, isso já eu percebi. Também se mastigam almoços de boca aberta com a cabeça inclinada ao tecto a olhar as notícias do jornal da uma na televisão dos restaurantes. Ou então, isto vê-se muito, tecla-se no aparelho electrónico que nos liga uns aos outros.

Ou desliga uns dos outros. Mas amor, era aqui que queríamos ir.

Fala-se do amor. Até se faz publicidade com o amor. É normal. Reduzir o amor a um par de gargalhadas soadas em muitos lados, dentro de carros parados em semáforos, nas cozinhas das casas das pessoas ou nas lojas, soam do outro lado da emissora rádio por causa de um reclame imbecil sobre uma bela loira que afinal era uma cerveja. Reduções baratas de coisas grandes porque a loira era para ser o amor de alguém mas não passou de uma fermentação bem maltada ou assim para se beber bem fresca. Qual amor?

Não é preciso falar do amor. Não falemos do amor. É preciso é fazer o amor.

Não merece a pena neste ponto incendiar entusiasmos e abrir expectativas, que eu não tenho arte para me esticar por terrenos delicados, há muitas maneiras de se cozinhar bacalhau e o amor português também joga nesse time.

Hoje. Na cantina lá da empresa onde todos os dias me encontram normalmente dentro da minha bata cujo corte não conheceu alfaiate, assim como muitos edifícios – quase todos – em Lisboa não sabem o que é um arquitecto, adiante que esta mágoa carregá-la-ei para a cova - abandonei a linha de alimentos onde me servi de vários, e sentei-me à mesa onde pousei o meu tabuleiro. À minha frente a Carla já vai adiantada mas o seu tabuleiro exibe ainda inteiro um dióspiro vermelhinho de maduro, coisa tão rica que até me veio um bocado de água à boca. No meu tabuleiro uma maçã assada raquítica a envergonhar-se, mas que amor.

- Ó dona Esmeralda, onde estão os dióspiros? Eu só encontrei esta maçã assada resmenga e salada de frutas, que é coisa que não como.

- Res… quê? – a dona Esmeralda aproxima-se da mesa a esfregar as mãos no avental.

- Resmenga, dona Esmeralda, inventei a palavra e por acaso faz muito sucesso.

Não passou um minuto e eu tinha no meu tabuleiro um dióspiro nascido de uma prateleira escondida lá das coisas da dona Esmeralda. Ora isto é amor. No fim houve que lavar as mãos e a boca, mas isso foi o menos, que me regalei à grande.

Esta manhã, eu ainda na cama. Abre-se a porta do quarto e entra uma chávena de café a fumegar e – já sabemos esta parte – a aromatizar o espaço como mais nada o pode fazer. Agarrada à alça da chávena vem a minha filha mais velha a sorrir, é mesmo linda esta miúda, bom dia, mãe.

Ora isto é coisa que eu não ensinei à petiza quando era petiza, portanto só pode ser o quê? Deu-me um beijo na testa e saiu para a escola, até logo. Amor.


E antes que pensamentos cruéis sobre uma mãe que fica na cama quando as pobres crianças saem de casa para a escola em vez de as conduzir de carro, coitadinhas, vão a pé ou de autocarro, antes que pensamentos assim invadam cabeças, vamos ouvir outra opinião:


(gargalhadas soadas adorei, são muito boas, mas se forem suadas serão ainda melhores, era reflectirmos nisto se faz favor, que é quase natal)

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