a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

07/08/2014

Para amanhã

Claro que sim, posso parar.

Mas tu continua. Fica-te bem esse fazer de conta, eu gosto de te ouvir dizer o meu nome três vezes como se me ralhasses muito.

O estupor da vizinha que manda vir os papos-secos que o padeiro pendura num saco à nossa porta, não sei lá que raio quer isto dizer, acabou de chegar com a música do carro aos berros, o que foi bom para fazer o barulho das obras em frente parecer uma versão melhorada do musicado Carmina Burana. E vai uma.

Ontem, enquanto esperava pela minha vez no balcão do peixe, o casal gordo dois números à minha frente comprou tanto bacalhau, que eu podia ter lido duas vezes o manual de instruções do carro, se o tivesse ali à mão, enquanto a empregada cortava aquilo às postas e, depois, para meu espanto, o casal seguinte, também gordo, os casais ficam gordos com muita facilidade, imagino bem o que lhes anda a faltar, é o que faz tanta televisão, então não é que o casal seguinte pede uma saca com uns cinco ou seis bacalhaus inteiros? Claro que quando chegou a minha vez indaguei à empregada, que esfregava as próprias lombares, não é da actividade em casal, diz-me ela que é de cortar tanto bacalhau todo o dia, uma pena, perguntei-lhe então o que se passa, se já é Natal e eu ando distraída, ou se estou num outlet gastronómico sem saber. Não menina, diz-me ela ainda a esfregar os rins, é para levarem para o estrangeiro, eles lá na França não têm. Duas.

Estou a ficar sem luz, que o sol já vai baixo, mas ainda há tempo de te informar que te hei-de visitar em sonhos. E untar-te a pele nua com a essência dos elementos que me tens oferecido. Não penses que sou criativa ou tenho ideias loucas, quer dizer, até tenho, mas não é isso, é mesmo uma maniazinha que arranjei de te proteger a alma. Tu continuas a fazer que não vês. E eu até posso parar. Mas só na terceira, que fica para amanhã.

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