a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

20/02/2014

Óleo do motor do carro

São opções que se fazem.

Ou se compra grão em saco, duro, mirrado, a pedir molho de salvo erro um dia inteiro para lhe dar tempo a inchar antes de ir parar ao tacho, ou se conhece os encantos de uma suculenta lata de grão que se compra já cozido, tenrinho, temperado ao gosto de qualquer um. Caso feliz em que uma pessoa tem tempo para ter um blogue onde conta histórias sem se preocupar com o banho do grão.

Mas nem tudo são rosas, a pausa que fiz hoje à tarde para o café, por exemplo, não correu bem. A minha já pobre reputação na cozinha desceu mais uns níveis.

Encontro na copa lá da empresa a Carla e a dona Esmeralda num forum de culinária no qual entrei sem cuidados nem caldos de galinha e do qual saí com a tal reputação nos mínimos.

A dona Esmeralda, já sabemos, é quem serve o almoço na cantina, a Carla é a primeira vez que entra aqui, é minha colega e desconfio que é um ás ao fogão.

Entro na conversa sem rede e vou dizendo que vejam bem, que o grão da lata dá bons resultados, garanti-lhes um certo tempo livre, e é bom o grão, é tenro, não custa nada, e elas ai não, não é, elas não sabem nem querem saber o que são latas de grão já cozido. Ou de feijão.

A dona Esmeralda, que tem sempre opinião:

- Ai menina! Da lata?! Nem pensar, de molho é que é, e o feijão frade também. Depois põe-lhe o ovinho cozido, junta-lhe atum, faz um rico almoço, está a ver?

(não perguntei de onde vem o atum, se da lata ou de algum banho prévio, lamento não poder informar)

- Estou, estou a ver, gosto muito desse prato - digo eu a tentar reconquistar alguma da simpatia que antes reunia neste forum.

- Mas o feijão também põe de molho, dona Esmeralda? - eu, sem nada melhor para dizer, enfio o nariz na chávena de café, tomo um golo, procuro escape.

- Ó menina! - e olha-me por cima dos óculos a mostrar incredulidade - de molho, sim senhor, então como havia de se fazer ao feijão?!

("Ó" não é mais do que um vocativo que antecede o momento em que nos dirigimos a alguém e que oiço toda a gente aqui nas terras lusas usar mas não encontro em mais nenhuma outra língua de entre as poucas que se me dá conhecer.)

Estou com o café na mão e observo-lhe a superfície espumosa com toda a atenção, tento ganhar tempo nesta batalha que já perdi.

A Carla, que tem estado reservada, faz coro agora com a dona Esmeralda. Também ela é feijão de molho e grão de molho e os da lata?! Bem, experimentei uma vez, mas tive de pôr tudo na sopa, aquilo não dava jeito, vinha cru...

(cru?...)

- Ó menina - a dona Esmeralda ataca-me outra vez - é que não é a mesma coisa. Se puser de molho fica mesmo bem, aquele saborzinho, aquele gostinho (e esfrega a cabeça do polegar nas cabeças dos dedos indicador e médio, gesto posicionado junto da sua bochecha rosada, a ilustrar o saborzinho), agora se fôr da lata... (e abana a cabeça em oscilação rápida, a cerrar os olhos como quem acabou de provar o óleo do motor do carro)

Salvou-me a minha chávena entretanto vazia e o relatório para acabar, adeus!, vou andando!

Ficaram lá as duas.

E eu fico aqui, que por hoje já chega.

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