a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

16/01/2014

Cão pequenino

Sou mãe que não se compreende.

Estou na reunião de pais na escola de uma filha e sinto-me crescer de orgulho até ficar do tamanho da sala toda, não sem um ligeiro desviar de cabeça para não embater no projector de slides que pendura do tecto, tudo só porque o nome dela foi proferido. Porquê? Por magia.

Dia seguinte a outra reunião de pais, da outra filha, tenho sorte, não coincidiram e assim fiz presença inchada nas duas. Outra vez eu a crescer até aos tubos da insuflação, é a palavra que lá está nos tubos, insuflação, desvio, ajeito-me na cadeira a disfarçar, ocupo a sala toda, a escola toda, eu sou a mãe desse outro nome. Por magia, porquê?

E no fim saio a deslizar pela escada dos dois pisos deste edifício, sinto-me cheia de vida e de uma energia brilhante que me faz leve e me nasceu num firmamento profundo, há anos que isso foi, duas vezes, tantas vezes, todos os dias, a cada acordar, anda comigo para todo o lado, impregnou-se em mim, não sai.

O que não anda comigo para todo o lado e me fez uma falta danada nesta saída triunfante, é o chapéu de chuva que ficou no carro e ficou longe, molhei-me como se molha quem toma decisões erradas ao fechar o carro e olha para um céu azul escuro, mas azul, quase me chegou à pele esta chuva.

Conduzo até casa e assim que as vejo, às duas, mãe, a reunião? e aos seus sorrisos, vem uma, abraço-a, aspiro aquele aroma doce que a testa dela tem desde sempre, vem a outra, procedimento repetido, a testa outra vez, mesmo no início dos cabelos e sei que lhes dei demasiados beijos, cresceram tanto, foi por causa dos meus beijos e foi tão depressa e isto de pôr filhos no mundo é tão inacreditavelmente belo.

Telefono a uma destas vozes durante a tarde de trabalho, querida não te importas tiras os bifes do congelador para o jantar? E ela tira e claro que não me importo, mãe, e a voz com que me fala é música e esta música embala-me a existência.

E agora, em que ficamos?

Elas já dormem e não se compreende que me vá zangar outra vez com as meias sujas no chão e as canecas com restos de leite seco ao lado do sofá.

É aqui que ficamos.

Antes que eu cresça outra vez e apareça ao lado do cão pequenino que mora cá por cima.

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