a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

11/12/2013

Água da cascata

Não vejo o menor interesse nas potencialidades de um i-phone um i-pad ou um i-valhamedeus. Não vejo.

Sou proprietária de um aparelho de comunicações móveis que uso para telefonar (pouco), receber telefonemas (poucos) e escrever e ler mensagens de texto (não muitas).

É que me enerva quando há que escrever uma mensagem que tem mesmo de ser e as teclas que começam com a sequência qwerty como mandam as boas práticas destas coisas, com a sua abastada área de contacto disponível para o meu dedo aterrar, coisa para aí da ordem do meio milímetro quadrado, dispõem de uma aresta que lhes atravessa a minúscula diagonal no intento de me apanhar o jeito caso o dedo escritor aterre sem ele. Mesmo assim, apesar de todo o empenho dos engenheiros projectistas, acontece quase sempre sair-me um y em vez de um t e, se calha dar olhada rápida à composição escrita antes de enviar, detecto os erros e o caldo entorna-se.

É soprar, respirar fundo, apagar, voltar a pressionar o t e as letras que pelo meio comi, actividade complexa que me vale normalmente a) uma visita não intencional à internet, que faz o aparelho ficar suspenso no seu éter existencial de electrónica combinada especialmente não para mim, enquanto a barra azul cresce para a direita e a minha impaciência exponencialmente ou b) uma escorregadela do dedo para outro lado qualquer e vai de tirar mais uma fotografia aos meus pés, ao teclado do computador ou ao volante do carro (parado, claro), dependendo da situação e para dar os exemplos mais comuns.

E isto, meus senhores, não tem o menor interesse.

O que tem, então, interesse?

Interesse tem comer um dióspiro enorme, maduro e suculento e pingar a toalha toda sem me importar com as nódoas.

Interesse tem meter a cabeça fora da janela, no escuro da noite, ver as estrelas, que são muitas, e ouvir a água da cascata na encosta da frente.

E interesse tem, no dia seguinte, acordar aqui.


Fotografia tirada voluntariamente, por mim, com uma câmara fotográfica que tem uma lente redonda com um diâmetro de quatro centímetros ou mais, faz tzzzz tzzzz enquanto ajusta o zoom e o corpo da lente cresce para fora do corpo da câmara e volta a encolher para que o seu trabalho saia perfeito, depois faz clique, não me cabe numa mão fechada, nem nas duas, e com ela não posso telefonar a ninguém nem escrever mensagens nem visitar a internet. 

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