a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

09/11/2013

Resposta certa

Compro, na internet, os bilhetes para a ópera. Recebo, por email, um documento para imprimir e comprovar o pagamento. Bem recheado de informação sobre o evento, este documento que incorpora quatro folhas de papel, inclui os lugares onde nos vamos sentar e tudo e tudo, maravilha. Só falta dizer que a estação de metro mais próxima é a Baixa-Chiado.

No entanto, não obstante a validade das tecnologias de facilitamento das nossas atarefadas vidas, comprovada por tantas instâncias em tantas situações, há que ir com antecedência generosa para a fila da bilheteira, exibir as quatro folhas impressas e recolher os bilhetes verdadeiros, autênticos, impressos como deve ser, em tiras esverdeadas com picotados que as ligam umas às outras, quais crianças da UNICEF em roda de mãos dadas, que custaram dinheiro a alguém, e que confirmam o que esta família de papeis que levo na mão, já registam.

Ora o que temos, então, aqui? Um, incapacidade da minha parte para entender o processo instaurado para a compra complicada de bilhetes para a ópera e evitar esta indignação, dois, incapacidade destes senhores de cortar a ligação com o passado e abraçar sem medo as novas formas de fazer compras de bilhetes para a ópera de que gostamos tanto, três, any other business, direis vós.

É que isto, vendo bem as coisas, lembra-me a minha querida avó.

Ela sentava-se junto ao telefone, que era fixo, só havia dos fixos, não fosse alguém ligar, não quer que esperem por ela, as pernas já perderam o vigor de outrora e o corredor lá de casa era comprido.

Isto lembra-me que, em dias felizes, ela atendia a meio do primeiro trimmmm levantando o auscultador do aparelho estacionado na pequena mesa antiga, está?, e falava. E ouvia. E falava. E alguém lhe fazia o dia.

E isto lembra-me que, na meta final do telefonema, a minha avó ia dizendo adeus, adeus, querida, adeus, enquanto baixava gradualmente a intensidade da sua voz morna e se inclinava muito, devagar, acompanhando o auscultador, adeus, filha, adeus, no trajecto descendente, o ouvido ainda colado ao plástico redondo perfurado, adeus, adeus, até chegar ao fim do percurso. Clique.

O auscultador havia premido com firmeza as duas patilhas pretas que, de novo enterradas no chassis do telefone, cortaram a ligação.

Se isto da compra dos bilhetes para a ópera não me lembrasse a minha querida avó no adiar do corte da ligação, no permitir-lhe, à ligação, a pertença ao passado, no deixá-la, à mesma ligação, escorregar para fora do seu presente que, ela sabia, não tardaria a findar, eu diria que a resposta certa é a número um, acima.

Mas como, vendo bem, isto me lembra a minha querida avó, sei que a resposta certa é a número dois.

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