a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

20/09/2013

No museu

Hoje tenho de ir fazer o cartão, tem de ser.

Abro a gaveta da mesa de cabeceira. Onde estão as fotos tipo passe que tirei o ano passado? Tenho a certeza de que as meti aqui. Reviro os objectos, que tralha, jesus! Tanta esferográfica, como é possível? Conto-as, sete. Sete?! Meto-as para trás, agarro nas fotos e enfio-as no bolso das calças, daqui já não saem. Fecho a gaveta.

Depois, na cozinha, abro o correio que trouxe ontem para casa, vinha tão ataviada com os sacos de compras, o jantar que tinha de ser feito, que deixei o correio para hoje, são as contas para pagar. Ponho-as por ordem da data limite de pagamento e tento memorizar a primeira, para não falhar. Esforço-me por ser organizada, às vezes resulta.

E aqui estão mais, no cesto do correio, mas deve ser só uma ou duas, deixa ver. Seis. São seis. Admira-me isto. Como consegui juntar tanta esferográfica?

Quase pronta para sair de casa, finalmente, vejo que tenho de mudar de mala. Um problema que tento minimizar com as malas multicoloridas para darem bem com tudo, ou quase, uma pessoa tem de estar bem, mas caramba, perder tempo de manhã é tramado! Hoje tem de ser, troco de mala. E conto-as, agora tornou-se desafio, afinal há que olhar para as miudezas da vida quando se fareja uma coisa destas, não? A ver quantas são. Três. Três esferográficas na mala para hoje, duas ficaram na colorida, tão bonita, a minha preferida.

Saio de casa, desço as escadas, entro no carro, olho para o relógio que está três minutos adiantado, a velha inútil estratégia, porque já vou atrasada, podia ter deixado o correio para logo e as fotos, bolas, posso ir amanhã tratar do cartão. Ah, será que ainda é preciso levar fotos?!

No trajecto para o trabalho vou a pensar que fenómeno é este que se desenvolveu autonomamente, geração espontânea, mesmo nas minhas barbas, um manancial de esferográficas, metem-se em todo o lado.

Na verdade, dá muito jeito tê-las mesmo à mão quando é preciso acrescentar à lista de compras o detergente para a loiça, o vinho ou as batatas. Ou quando...

Ou quando o quê?...

Ah, pois, quando assino as mensagens da escola das crianças a confirmar que sim, que autorizo, que sim, que tomei conhecimento, é isso.

E mais?

E mais nada.

É que não uso esferográfica para mais nada.

Como gosto de estudar fenómenos que não interessam a ninguém mas que me estimulam os neurónios, porque há uma razão para tudo, ponho-me a pensar.

A pensar que a era da escrita electrónica está instalada e substitui as esferográficas, é o que é. Não servem, já ninguém as usa. Vão acabar nas prateleiras dos museus, ai vão vão. E depois, as criancinhas, olha, mãe, olha como a tua avó escrevia! Tão bonita, a esferográfica! Gostava tanto de ter uma!

Mas isso não é para já, que esta avó de que a criança fala ainda anda de fraldas. E os museus ainda não querem esferográficas.

Para já, tenho uma ideia melhor.

Vou mandá-las todas à Joana Vasconcelos. Para ela fazer um coração gigante, uma flor que abre e fecha, meter-lhes néon dentro, usá-las nos saltos dos sapatos, em peças de automóveis, aplicar-lhes asas, sei lá!

Sempre é uma forma de as ver mais cedo no museu.

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