a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

03/04/2013

Hormonas

Saí do trabalho a voar para chegar à escola a tempo. Não queria perder o debate que as professoras da minha filha tinham organizado com a turma sobre a disciplina e a constante falta dela. Falta contra a qual o debate se insurgia. Participavam os mais de vinte alunos da turma de sétimo ano, as organizadoras e alguns pais e encarregados de educação.

Foi mostrado um filme, imagens, textos. Sobre todos eles se debateu. Em nenhum caso se ouviu um aluno falar sem primeiro levantar o braço, manifestando a intenção. Braços que, sem excepção, vibravam no ar.

Disseram o que é a escola, disseram para que serve a escola. Disseram o que está certo e o que está errado no comportamento deles.

E depois centrou-se o debate no tema da indisciplina.

- "João, diz tu"

- "Ó stôra, ó stôra.... como é que eu hei-de dizer... ó stôra..."

- "Estão aqui mais pessoas na sala, não te dirijas só a mim."

- "Sim pois, ó pessoas, é que nós somos crianças, não é... quer dizer, somos pré-adolescentes! E temos, ó stôra, ai, pessoas, nós temos... hormonas! isso... temos hormonas e ficamos um bocado, assim... ficamos malucos, stôra. Pessoas. E 90 minutos de aula é muito tempo e nós não aguentamos. É das hormonas."

- "Sim, João, mas vocês têm de fazer um esforço para tomar atenção, controlar as hormonas enquanto estão nas aulas."

Mais braços no ar, a chamar a chamar.

- "Tu, Pedro."

- "Stôra, está bem, podíamos, mas as aulas também podiam ser de 50 minutos, como os nossos pais tiveram, não é? Eles aprenderam as coisas todas em aulas de 50 minutos, não aprenderam? Aprenderam e fizeram as pontes e os edifícios, como esta escola em que nós estamos! Eles também tinham hormonas. Mas só tinham 50 minutos de aula!"

- "Isso é tudo verdade, Pedro, mas se pensares bem, é nos primeiros cinco minutos da aula que vocês estão mais indisciplinados."

Braços agitados, esticados, impacientes.

- "Diz tu, Susana."

- "Pois 'tamos, stôra, por causa dos 90 minutos da aula anterior!"


O debate durou duas horas e meia. Saí contagiada pela energia deles, pela vibração que os seus braços esticados provocaram no ar. A ânsia de crescer e viver que pulsava na sala invadiu-me a alma.

O debate sobre a indisciplina foi afinal muito mais disciplinado do que eu esperava.

Indisciplinadas são as reuniões de pais. Nessas, não há entusiasmo no ar. Há queixas e há críticas. Há muita falta de vontade. E há ausências.

Esta geração de pais, que sabe fazer pontes e edifícios, podia aprender a calar os ais.

Afinal são deles estes filhos com tantos mais.

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