a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

22/03/2013

Havaianas

No início do Verão comprei um par de Havaianas ao Erik. Quis proporcionar-lhe o prazer da chinela de borracha, para que ele pudesse desfrutar de todo o esplendor de um Verão em Portugal.

Assim não seria preciso recorrer à sandália com meia ou, então, à sandália sem meia e com calos. Estranho mas verdade, a ausência da meia faz calos.

A experiência, acreditava eu que do conhecimento universal, era totalmente nova para o Erik. O seu pé descalço não estava treinado. Ao sexto passo firme (que o caracteriza) um dos chinelos disparou e foi aterrar dois metros mais à frente.

Riso controlado: o projéctil não tinha voado por brincadeira mas sim por falta de jeito.

Após uma breve lição da minha parte - eu ainda um pouco incrédula - o caminhar retomou-se livre de lançamentos de chinelo, mas não de um certo encaracolar de dedos dos pés, ainda mais brancos nos nós dobrados.

O prazer das Havaianas teimava em não se dar a conhecer ao Erik, não obstante os seus esforços por se adaptar à novidade.

Iniciámos o caminho estreito de areia em direcção à praia. Ele ia à frente.

E eu cinco passos atrás. Distância de segurança para não interromper o fluxo grosso de areia que jorrava a cada passo, propulsada para cima pelas poderosas Havaianas pretas à minha frente. A propulsão culminava no retorno da areia que, sem escolha melhor, chovia directamente em cima da cabeça dele.

Eu ia satisfeita com a cena, divertimento é coisa garantida com o Erik. Admirada com o poder de lançamento: antes do chinelo para a frente, agora dos jactos de areia para cima.

E para baixo. Ao chamamento da gravidade, o alvo em cheio na sua cabeça.

De repente, o Erik pára. Não se volta para trás. A areia do caminho está agora toda no chão e assim se mantém nos instantes em que ele não se move.

Depois, recomeça. Continua a caminhar em direcção à praia, chapéu de sol ao ombro, passo firme, dedos enrolados, concentração quanto à manutenção do chinelo no pé.

Renovados, recomeçam os lançamentos de areia em direcção ao céu numa cadência que me lembrou vagamente os braços enérgicos do maestro nas elevações da 5ª Sinfonia de Bruckner, uns meses atrás, no Concertgebouw em Amesterdão. Os braços do maestro sobem e descem, a areia torpedo também. Com a diferença de que o maestro manteve os braços longe da cabeça do Erik.

Parou de novo e agora voltou-se para trás. Olhou para mim zangado e eu vi pela primeira vez a expressão dos seus olhos na versão não-estou-a-achar-graça-nenhuma-a-isso.



O resto do Verão decorreu em paz. Não se registaram mais voos de Havaianas pretas tamanho quarenta e quatro nem chuvas de areia propulsionada.

Houve sim que registar os sorrisos dos veraneantes portugueses que com o Erik se cruzaram por essas praias lusitanas.

Com o Erik, com as suas sandálias e com as suas meias.

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